O efeito da empatia num mundo ansioso
A empatia tem sido estudada há muitos séculos e hoje se sabe não apenas da sua importância no desenvolvimento emocional dos seres humanos mas sua influência nos quadros de estresse e/ou ansiedade. Hoje, vivemos uma pandemia de muitos meses com uma série de restrições e novas dinâmicas sociais. Como tudo isso afeta nossa saúde emocional?
Há pesquisas relacionando déficits na empatia no comprometimento do processo de adaptação social das pessoas. Apesar de aproximadamente 98% da população humana ter a habilidade nata de empatizar, ou seja, de possuir as condições neurofisiológicas para se conectar uma às outras, existem fatores que podem frear, inibir ou exacerbar a qualidade destas conexões. Já existem pesquisas e artigos escritos inter-relacionando a empatia à ansiedade e ao estresse.
Vamos fazer um rápido exercício? Leia a pergunta a seguir e invista alguns minutos procurando lembrar como você reage.
Quando você se sente extremamente ansiosa ou ansioso, com preocupações de trabalho, finanças, família… como fica a sua capacidade de se conectar com alguém? Fica aflorada ou retraída? Aumenta ou diminui?
Bem provável que você tenha respondido que à medida que a ansiedade aumenta a empatia cai, certo? Sim, a lógica nos aponta para essa resposta. Contudo, estudos mais recentes, mostram que nem sempre é assim. E isto tem a ver com os tipos de empatia que desenvolvemos e mantemos ao longo da vida.
Em 1948, o psicólogo infantil suiço Jean Piaget publicou um estudo conduzido em crianças chamado de “A Tarefa das 3 Montanhas”, que deu origem às distinções entre dois tipos de empatia: a Empatia Afetiva e a Empatia Cognitiva.
A Empatia Afetiva é aquela relacionada à nossa capacidade de espelharmos emoções e/ou sentimentos da outra pessoa. Já a Empatia Cognitiva está mais ligada à capacidade de nos imaginarmos na perspectiva do outro, tndo momentaneamente seu lugar e compreendendo sua realidade.
Voltemos à ideia apresentada de que o aumento da ansiedade não está ligada a uma baixa da empatia. A verdade é que precisamos olhar para os tipos de empatia para podermos tirar nossas conclusões.
Foi isto que fizeram duas psicólogas, uma da Polônia e outra dos EUA, em 2018, ao conduzirem uma pesquisa que avaliou a relação entre empatia, ansiedade e depressão em 400 adolescentes de 12 a 17 anos de idade. Através do uso de escalas e outras ferramentas, as duas pesquisadoras descobriram o seguinte:
Quanto mais ansiedade, principalmente aquela relacionada ao medo da rejeição ou de passar vergonha na frente dos outros, maior era a empatia afetiva.
A empatia afetiva é aquela mais instintiva e fortemente relacionada ao nosso sistema límbico. É a nossa capacidade em “sentir a mesma coisa que a outra pessoa”. Literalmente, às vezes. Se pensarmos bem, faz total sentido isso. Mais ansioso, mais foco no exterior (trabalho, família, dinheiro…) e menos atenção a nós mesmos.
Este mesmo estudo também observou que o outro tipo de empatia, a cognitiva, caia consideravelmente. Ou seja, quanto mais ansiosos ficavam a amostra de jovens, menor era a sua capacidade de se coloca no lugar do outro. Isto porque a empatia cognitiva é aquela que está mais ligada ao consciente, “que nos permite “ conectarmos e entendermos o que a outra pessoa está sentindo”.
Estudos como este sugerem que pessoas mais sensíveis e com maior capacidade de “escanear” sentimentos e expressões de outras têm uma tendência maior a se conectarem afetivamente a estas pessoas, passando a sofrerem juntas, passando a ficarem mais ansiosas. E quanto mais ansiedade, maior tende a ser esta conexão afetiva. É justamente aí que reside o desafio de não esquecermos de que aquele sentimento não é nosso, mas do outro. Porque se isto não é feito, nosso envolvimento com as emoções do outro é tamanha que passamos a encontrar pessoas em quadros críticos de ansiedade, mais estressadas.
Gosto muito da analogia da eletricidade, que tanto pode nos trazer benefícios (como luz e energia para dentro de nossos lares) como pode nos trazer malefícios (como o choque). Entender como a empatia funciona e saber como exercitá-la acaba sendo vital para nosso equilíbrio, para nosso bem-estar. Para que a gente não se machuque. Portanto, esta pesquisa nos sugere que empatia seja uma faca de dois gumes.
E o estresse? De que forma a empatia se correlaciona?
Uma outra pesquisa conduzida em 2017, pela Universidade de Viena, procurou entender o impacto do estresse agudo na nossa empatia.
Neste estudo, 80 pessoas foram solicitadas a se empatizarem com outras enquanto realizavam atividades sob pressão de tempo ou de comentários negativos dos mediadores quanto à sua performance. Em uma outra bateria de testes, eram mostradas ao grupo fotos de procedimentos cirúrgicos dolorosos enquanto estes indivíduos eram solicitados a tentarem sentir a mesma dor que a do paciente na foto. Para incrementar mais a análise, parte do grupo recebia também a informação de que o paciente da foto tinha recebido anestesia para não sentir dor. E uma outra parte, recebia a informação da ausência da anestesia. Isso justamente para se procurar entender a capacidade de os candidatos modularem sua empatia cognitiva (tomada de perspectiva) conforme a situação exigida.
Os resultados destes estudos foram muito parecidos com a pesquisa mencionada anteriormente: mostraram que, quanto maior era o estresse na execução da tarefa, maior era o nível de empatia afetiva (sentir junto) e menor era a empatia cognitiva (tomada de perspectiva).
A esta altura, você deve estar se perguntando: “como faço então para que a empatia não se volte contra mim, aumentando minha ansiedade, depressão e/ou estresse?”.
Carl Rogers, psicólogo norte-americano que tratou e muito a questão da empatia, costumava dizer que “empatia é colocar-se no lugar do outro como se fosse a outra pessoa, porém sem perder nunca de vista essa condição do como-se-fosse”.
A autopreservação é fundamental. Ainda mais em tempos de isolamento social, de exacerbação das emoções. A máxima de que só se pode ajudar se antes ajudarmos a nós mesmos vale e muito aqui.
A auto-empatia como elemento chave
Só conseguimos praticar empatia, sem nos afetar negativamente, se antes praticarmos a auto-empatia. É buscar a conexão com nossa essência, com nossa alma. É estar em paz com o que encontrar, seja luz, seja sombra. É observar, depois acolher nosso sentimentos relacionando a uma necessidade não atendida e planejar para fazermos algo sobre o assunto. Tudo isso são etapas essenciais da auto-empatia. E o mais importante: precisamos praticar a presença.
Não existe auto-empatia, sem a prática da presença. Fechar os olhos, escanear como está nossa pulsação, nossa respiração, mantendo-se no aqui agora.
Com a prática recorrente, conseguimos fazer com que a empatia seja nossa melhor amiga, principalmente em tempos desafiadores ou em situações inusitadas. O bom uso da empatia pode controlar nossos níveis de ansiedade e tensão e, desta forma, levarmos uma vida mais mais equilibrada em meio às incertezas que a vida nos reserva.
Fiquem bem! Sawabona.
Rodrigo Credidio é consultor em Diversidade & Inclusão e cocriador da Oficina de Empatia, que recebeu o Selo Municipal de Direitos Humanos em 2020. Formado em Comunicação Social, atua desde 2014 com temas ligados à empatia, diversidade humana, acessibilidade e inclusão. Possui formação no EMPRETEC (Sebrae-SP), em Neurociências, Emprego Apoiado e Teatro de Improviso.