30 anos da Lei de Cotas: O que mudou?
A Constituição Federal garante a todo ser humano o desenvolvimento pleno no aprendizado, no trabalho e no acesso aos direitos nela estabelecidos. A visão de direitos humanos é baseada na não discriminação e se sustenta em três pilares principais: igualdade de oportunidade, poder de decisão sobre a própria vida e segurança para exigir os direitos. Sendo assim, o desenvolvimento sustentável de um país depende da inclusão de todas as pessoas. Portanto, ninguém pode ficar para trás.
A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, conhecida como Lei de Cotas, determina em seu Art. 93 que empresas com 100 ou mais funcionários reservem de 2% a 5% dos seus cargos para contratação de pessoas com deficiência ou reabilitadas. E tem como principal objetivo garantir dignidade, equidade e igualdade de oportunidades para esta parcela significativa da população brasileira.
De acordo com o Portal da Inspeção do Trabalho, a Lei de Cotas garante menos de 775 mil vagas de emprego formal para brasileiras e brasileiros com algum tipo de deficiência ou pessoas reabilitadas e, deste total, 53,02% estão preenchidas. Claro, é muito pouco, mas o número tem crescido ano após ano. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), no ano de 2000, havia um total de 422.162 vagas reservadas pela Lei de Cotas e apenas 47.980 estavam preenchidas, ou seja, um déficit de 89%. Atualmente, há um déficit diminuído para 46,98%.
Os números mostram que gradativamente tem aumentado o número de pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho formal, porém, ainda é comum uma série de argumentos e frustrações entre empresas e profissionais com deficiência. Por um lado, há empresas que dizem não encontrar pessoas com deficiência qualificadas e em quantidade suficiente para cumprir a legislação; por outro, pessoas com deficiência argumentando que não há vagas para profissionais capacitados e que muitas empresas só disponibilizam posições que não exigem formação.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o censo demográfico de 2010, revela que no Brasil há 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Destes, 6,7% têm nível superior completo. Com base nos mesmos dados, é possível observar que 8,9 milhões de pessoas com deficiência, entre 18 e 64 anos, têm um comprometimento físico, sensorial, intelectual e/ou mental, conforme critérios estabelecidos na Lei de Cotas. Isso significa que o número de pessoas com deficiência em idade economicamente ativa que podem ser consideradas para o cumprimento da Lei de Cotas equivale a um número 10 vezes maior que a reserva legal de vagas.
Sabemos que ainda não existe a condição de pleno emprego para todas as pessoas com deficiência e que são muitos os desafios (barreiras tecnológicas, arquitetônicas, urbanísticas, no transporte, na comunicação e nas atitudes). Mas, a Lei de Cotas ainda é um mal necessário. Atualmente, cerca de 93% das pessoas com deficiência empregadas estão em empresas obrigadas a cumprir a lei, embora a maioria dos empregos no Brasil estejam nas outras empresas, deixando nítido que muitas contratações só aconteceram por força da lei e por isso ela ainda é imprescindível para continuarmos avançando e ampliando a participação da população com deficiência em todos os cargos e espaços.
Apesar da relevância, é óbvio que a Lei de Cotas por si só não é suficiente para garantir emprego formal para todas as pessoas com deficiência. E, por isso, as empresas precisam disponibilizar mais vagas nos programas de aprendizagem, garantir que 10% das vagas de estágio, previstas na Lei 11.708 de 25 de setembro de 2008, sejam ocupadas por estudantes com deficiência e garantir a participação de profissionais com deficiência também nos programas de trainee e em outras iniciativas, especialmente aquelas relacionadas à diversidade e inclusão. O sucesso desse processo depende de todos e, sem dúvida, as empresas públicas e privadas têm um papel importante para a transformação da atual realidade. E, para isso, precisam entender que todas as vagas devem ser para todas as pessoas, que eliminar barreiras não significa custo, ao contrário, é um investimento e que a pessoa com deficiência também é cliente. Portanto, todos os bens, produtos e serviços devem ser para todas as pessoas.
É sabido que os problemas que as pessoas com deficiência encontram para garantia e efetivação de seus direitos são semelhantes aos enfrentados por outros grupos também historicamente excluídos, porém, muito mais significativos quando a deficiência se sobrepõe a outras características, como por exemplo, religião, raça, gênero ou orientação sexual.
Vale ressaltar que inclusão é uma via de mão dupla e que a pessoa com deficiência deve participar ativamente desse processo, conhecer os seus direitos, ser protagonista da sua história, saber que tem deveres e que a Lei de Cotas garante a vaga, mas a manutenção do emprego depende de cada pessoa. Em resumo, todos nós precisamos fazer a nossa parte e contribuir para que haja mais equidade e igualdade de oportunidades para todas as pessoas, independentemente de qualquer característica.
É nítido que temos muitas conquistas para celebrar e que a Lei de Cotas continua sendo uma importante aliada para inclusão econômica das pessoas com deficiência. Mas, para ser mais efetiva, precisamos considerar a interseccionalidade da pessoa com deficiência, ampliar o olhar, rever atitudes, atuar em rede, tornar os sites, aplicativos, processos internos e externos cada vez mais acessíveis e inclusivos, disponibilizar conteúdos em diferentes formatos, focar nas habilidades e competências de cada pessoa, estar sempre disponível para mudar conceitos, combater o capacitismo e todo tipo de discriminação e criar novas estratégias para fortalecer e valorizar a diversidade humana.
Marinalva Cruz é gestora de recursos humanos e políticas públicas para inclusão, especializada em inclusão profissional de pessoas com deficiência. Atuou por quase 14 anos, desenvolvendo ações com foco na acessibilidade, diversidade e inclusão, social e profissional de pessoas com e sem deficiência.