O Sagrado Masculino

homem negro de meia idade, sentado em posição meditativa. Duas energia de cores diferentes o envolvem, uma de cada lado do corpo. Alguns filamentos luminosos percorrem todo seu corpo.

Sou um homem cisgênero, branco, heterossexual, urbano. Nasci, portanto, com muitos privilégios de largada e vivi os primeiros trinta e tantos anos da minha vida achando que não tinha uma gota sequer de racismo, de homofobia, de capacitismo ou de machismo no meu sangue.

Foi só agora, de dez anos para cá, trabalhando com diversidade, equidade e inclusão, que parei para rever a minha história e que percebi quanto eu vivia e cultivava uma psique tóxica na minha forma de ver e interagir no mundo. Quando despertamos pra vida é que nos damos conta que vivíamos dentro de um sonho, de uma bolha onde tudo é perfeito. Onde o homem se acha o gênero e o ser perfeito.

Meus deslizes provavelmente não se resumiam a pensamentos. Certamente, eu tinha condutas machistas inconscientes.  Hoje, defino-me como um feminista em construção. Ou um masculino em ressignificação. Sim, já percebo melhorias aparentes no meu modo de pensar, falar e agir. Mas, vire e mexe, meu cérebro primitivo, amigo dos nossos ancestrais répteis de bilhões de anos atrás, grita mais alto. Na perspectiva de Daniel Kahneman, esse me cérebro é chamado de “sistema 1”, que é aquele sistema do reflexo, do automatismo, dos instintos mais animalescos.

A paternidade, que me veio junto com meu início no universo do empreendedorismo social e da diversidade. Este momento foi, sem sombra de dúvida, o maior dos presentes da minha vida. Além de viver a gratificante responsabilidade de cuidar de um bebê junto com minha esposa, eu também desenvolvi um olhar mais humanizado. Passei a canalizar meu foco no além-bolha e comecei minha jornada de reconstrução do meu sagrado masculino. Foi um despertar poderoso, que mexeu com todas minhas vísceras e crenças. Lembra daquela cena em que o protagonista Neo, no filme Matrix, acorda para o mundo real após anos e anos vivendo em estado letárgico dentro de uma espécie de incubadora gerida pelas máquinas? Pois então. Esta cena é muito emblemática e funciona perfeitamente para descrever esta minha fase que vivi.

Quando me refiro ao sagrado masculino, propositalmente quero fazer uma correlação direta com o já conhecido sagrado feminino. Entendo que ambos “sagrados” partem de uma mesma fonte de luz, de um mesmo princípio. O “sagrado”, seja feminino ou masculino, é a viagem do despertar pro mundo, do autoconhecimento e do processo contínuo da expansão da consciência. No final do dia, este “sagrado” é do ser humano porque é universal e é divino.

A meu ver, o que acontece há milênios é que mulheres e homens estão em etapas diferentes em seus despertares. A mulher, na minha opinião, seres muito mais evoluídos do que o homem, iniciou seu despertar há muito tempo atrás e vem aperfeiçoando o seu entendimento e a sua conexão com seu corpo, sua mente, suas emoções, suas relações com o outro… O mesmo não ocorreu com o homem. Longe disso. O homem “comprou” uma ideia primitiva de que deveria ser o provedor supremo e o salvador de tudo e de todos. Uma espécie de deus grego imortal que subjuga os mais fracos e que encontrava solução para tudo (ou quase tudo) através das armas e do poder. Quanto mais o homem exercia seus papéis como guerreiro, decisor, provedor e protetor, mais se distanciava do seu sagrado, da sua luz. Eu nasci e cresci numa época que homem não chorava, não demonstrava suas emoções e tinha que ser melhor que todo o mundo. Que pensamento mais arcaico, não?!

À medida que nós homens nos deslocávamos pela vida, guiados pelo ego, mais o nosso sagrado se atrofiava e se apagava. O sagrado que nasceu para ser feminino e masculino só encontrava guarida entre as mulheres. E assim vivemos por séculos. Neste processo, o sagrado masculino foi sucumbindo e dando espaço ao ego, que é o não-sagrado. O equilíbrio das forças do masculino e do feminino deveria sempre ter sido a nossa bússola; mas, por conta de uma história pautada em uma cultura patriarcal violenta, esse balanço não ocorreu e o lado feminino dos homens embotou.

Nos dias atuais, a partir de uma participação crescente dos homens nas rotinas domésticas e na criação de suas crianças, assim como um acesso maior a várias ferramentas de autoconhecimento, a fagulha divina dentro do homem, até então quase apagada, começa a se reacender e aumentar sua luminosidade. Não posso deixar de mencionar as novas gerações de homens que chegam à Terra com uma consciência maior do transcendente e do seu lado feminino da alma. Toda essa realidade se traduz numa nova oportunidade de empoderamento do sagrado masculino. Percebo um percentual significativo de homens que já passam a cultuar seu sagrado masculino de uma forma muito mais virtuosa.

Neste momento de regeneração do masculino, nós, homens, temos muito que nos balizar nas conquistas das mulheres. O sagrado feminino deve ser visto como farol por toda uma legião de homens que estão se descontruindo, dia após dia, para se recomporem a partir da sua luz e não das suas sombras.

Ingredientes como a autoempatia, o autocuidado, o afeto e a vulnerabilidade devem fazer parte do novo sagrado masculino. Buscar o sagrado masculino é fazer o caminho de volta para casa, à nossa fonte divina.

No meu processo pessoal de ressignificação, percebo que as inúmeras técnicas de autoconhecimento são os meus melhores aliados nesta viagem rumo ao fortalecimento da minha energia feminina e da formação do meu “novo sagrado”.

Na filosofia chinesa, o yin-yang são duas energias opostas e ao mesmo tempo complementares. É da mesma forma que enxergo como devemos encarar nossos “sagrados”. Penso que a única forma de sermos homens mais amorosos, felizes e saudáveis é trabalhando as nossas duas forças internas de forma simultânea. A ideia da dualidade, presente no yin-yang, também está presente nas sete leis herméticas quer regem o universo. Esse conjunto de sete leis é atribuído à Hermes Trismegistos, legislador egípcio e filósofo, que teria vivido entre 1.500 a.C e 2.500 a.C. Algumas pessoas atribuem um status de deus à Germes, tamanha era sua sabedoria. Hermes teria codificado “os princípios da verdade” que explicam todo o funcionamento do universo manifesto em todas as suas dimensões.

Segundo o Princípio da Polaridade, “tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto”. E pelo Princípio do Gênero, “tudo tem seus princípios masculino e feminino. O gênero se manifesta em todos os planos de criação”.

A partir do momento que introjetamos essa ideia da coexistência das duas energias, a masculina e a feminina, em nosso corpo-mente, fica muito mais fácil criarmos estratégias para buscarmos o equilíbrio dessas forças. E nós, homens, precisamos fazer isso ontem!

Finalizo ressaltando que essa atenção à nossa energia do feminino que vive dentro de cada homem não nos torna menos homens. Faz o homem ser mais humano.

 

Rodrigo Credidio é consultor em empatia e comunicação inclusiva. É sócio fundador da Goodbros e cocriador da Oficina de Empatia. Formado em Comunicação Social, pós-graduado em Administração de Empresas e pós-graduando em Neurociências e Comportamento. Trabalhou na área de marketing e comunicação por mais de 20 anos. Atualmente, presta consultoria e realiza projetos ligados à empatia, comunicação inclusiva, desenho universal e acessibilidade.