Representatividade racial: onde está seu olhar?
Geraldo, 36 anos, branco, heterossexual, cisgênero.
É importante trazer estas definições que fazem parte da minha identidade pois, longe de reduzi-la, tais informações permitem que você, leitor ou leitora, saiba de onde falo.
Tornaram-se comuns nos últimos anos os debates sobre identidade e sobre o direito ao reconhecimento das inúmeras facetas humanas, conhecidas como “diversidade”. Como roteirista e redator, reflito cotidianamente sobre o papel da ficção nesse momento histórico, ou melhor dizendo, sobre como a ficção pode contribuir para um mundo mais inclusivo.
Inicialmente, é preciso questionar que tipo de personagens e histórias estamos escrevendo: quais papéis escolhemos para determinado grupo étnico, determinado tipo físico, peso e aparência; qual a importância na trama e quais valores regem os personagens que fogem dos padrões estéticos que se encaixam em uma “norma”? Felizmente, passamos do tempo de retratar a empregada doméstica negra, a madame branca, o empresário nórdico, o traficante negro. Mas, até há pouco, recriávamos estigmas sociais que, longe de refletirem e modificarem a sociedade, apenas reforçavam preconceitos e ideologias supremacistas.
Para narrar histórias diferentes, é preciso questionar quais conteúdos ficcionais são aceitos pela mídia. Até que ponto a mídia, entendida aqui como canais de TV, serviços de streaming, distribuidores de filmes, grandes estúdios, veículos de imprensa, agências de publicidade e influenciadores digitais, abre espaço para o debate em torno da própria diversidade? Seus executivos e suas executivas são porta-vozes de identidades homogêneas ou existe um equilíbrio de etnias e identidades comparáveis à pluralidade da sociedade brasileira? Dados do Instituto Ethos de 2010 apontam que apenas 4% das 500 maiores empresas brasileiras tem cargos executivos com pessoas negras e apenas 1% tem mulheres negras entre seu corpo executivo. Esse quadro é diferente entre conglomerados de comunicação? Segundo Ângela Guimarães, da UNEGRO, pouca coisa mudou desde a publicação dessa pesquisa.
Outra pergunta necessária é sobre a diversidade na criação: quem escreve, quem dirige, quem produz, quem trabalha na frente e atrás das câmeras? Iniciativa inédita na TV brasileira, o especial “Falas Negras”, exibido na TV Globo, no dia da consciência negra, contou com elenco e equipe majoritariamente negro. A qualidade da produção, que deu à atriz Tatiana Tibúrcio o APCA de melhor atriz, refuta o ideário de “nivelar por baixo” e desvela, mais uma vez, o pacto narcísico branco, estudado por Maria Aparecida Silva Bento em sua tese de doutoramento pelo Instituto de Psicologia da USP. Segundo Bento, opera-se entre a branquitude um pacto velado que entende o indivíduo branco como superior enquanto esforça-se por negar ao indivíduo negro a oportunidade de participar da vida social, moral, afetiva, econômica e política. Com as oportunidades, os resultados naturalmente aparecem.
Por fim, faz parte da ficção também o público espectador. Como é treinado o olho de espectador e espectadora? O que é capaz de ver, efetivamente, em rostos diferentes do próprio?
Tornou-se viral o vídeo em que o ator Samuel L. Jackson foi confundido, por um apresentador branco, com Lawrence Fishburne em um programa especializado em entretenimento cinematográfico. Aparentemente o apresentador não foi capaz de distinguir entre dois atores negros. Você já imaginou um jornalista especializado em cinema confundir Johnny Depp com Leonardo Di Caprio? Parece improvável, não? Pois é importante questionar porque isso acontece. Por que um apresentador especialista em entretenimento é incapaz de distinguir os traços da fisionomia de outro grupo étnico? Arrisco dizer que a humanidade historicamente negada a grupos étnicos sub-representados chega ao ponto de cegar a própria percepção. E não só a do apresentador mas a de toda estrutura que emerge da branquitude.
Geraldo Rodrigues é ator, redator e roteirista com mestrado em Artes da Cena pela UNICAMP. É um dos autores do “Livro de Ouro”, livro infantil do selo Leve Companhia e e co-criador da Oficina de Empatia.
Fontes:
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-18062019-181514/pt-br.php