Como nos damos conta de que estamos envelhecendo?
Nos damos conta porque o envelhecimento está registrado no nosso corpo. Desde o nascimento, até a nossa morte, passamos por transformações corporais; porém, elas são menos aceitas na velhice: aparecem os fios brancos, os cabelos perdem o brilho, o volume vai diminuindo. No rosto, surgem as rugas. A musculatura fica flácida, surgem problemas nas articulações. Há uma perda de audição, da visão, problemas dentários, osteoporose, entre outros. Vocês devem ter percebido que esse processo acontece gradualmente e não necessariamente essas manifestações aparecem todas juntas.
É através da cultura (modo de pensar, sentir e agir) que vamos construindo o nosso processo de envelhecimento. Desde pequenos vamos aprendendo o que é viver em grupo, os primeiros relacionamentos são com nossos pais, avós, tios, ou seja, as pessoas que estão em torno do nosso desenvolvimento biológico e psicológico. Na velhice, carregamos conosco um cabedal de experiências que se manifestam no nosso corpo e na nossa memória.
Os acontecimentos mais relevantes e importantes terão um lugar privilegiado nas nossas lembranças e sempre que possível, na oportunidade de compartilhar, iremos lembrar com detalhes, da cor, do local, do dia.
O processo do envelhecimento é diferente de pessoa para pessoa: somos seres de identidade única e corpos únicos, olhares, sentimentos e pensamentos singulares. No percurso do envelhecimento, construímos relacionamentos com filhos, companheiros, amigos, mestres, parentes, porém em algum momento, nos afastamos; alguns morrem, outros se transformam tanto que quase não os reconhecemos mais, outros ainda se envolvem em situações nas quais não há lugar para nós… em contrapartida, porém, estabelecemos novos relacionamentos… esse é o itinerário em que vamos bordando o nosso envelhecimento. Às vezes, só dispomos das linhas cinzentas, outras vezes de duas cores, mas também há quem consiga bordar usando as cores do arco-íris!
O envelhecimento é ainda muito pouco aceito. Hoje, talvez, nós, os idosos, estamos tentando sair do invisível, pois estamos transpondo as barreiras existentes e o preconceito do que é envelhecer na nossa sociedade. Há indícios de que esse movimento está sendo feito através da imprensa, da formação de grupos específicos de estudos, congressos, cursos de Gerontologia nas universidades. Começa a se formar a consciência de que quanto maior for o investimento nas pesquisas cientificas sobre o envelhecimento, mais seremos beneficiados. Na Gerontologia, estudamos e pesquisamos o processo do envelhecimento. Na Pedagogia, estudamos o comportamento e o desenvolvimento das crianças.
Segundo Simone de Beauvoir, a grande escritora e pensadora francesa, que eu menciono em meu livro “Vestir com os desafios do envelhecimento”, de 1976:
“A aparência do nosso corpo e do nosso rosto nos fornece uma informação mais segura. Como contrasta com a dos nossos 20 anos! Só que essa transformação é gradual, mal nos damos conta dela”.
De acordo com Cícero, pensador romano anterior a Cristo, em seu livro “Saber Envelhecer”, edição de 2009:
“A vida segue em curso muito preciso e a natureza dota cada idade de qualidades próprias. Por isso, a fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a maturidade da velhice são coisas naturais e devemos apreciar cada um em seu tempo”.
O que é Velhice
É um estado de espírito. Há “velhos” vinte anos, como jovens de oitenta anos.
Melhor do que eu, há um psicanalista francês, Jack Messy, que desenvolve essa ideia no livro “A Pessoa Idosa não Existe”. Dentro de uma abordagem psicanalítica, essa obra lança uma nova perspectiva sobre a velhice. O livro é destinado aos Assistentes Sociais, Enfermeiros, Médicos, Psicólogos, Psicanalistas, mas, além disso, a cada um de nós, pois para o autor trata-se de reconciliar o homem com a sua idade.
As sociedades ocidentais nada querem saber da velhice e da morte. Marginalizam os velhos sob o rótulo asséptico de pessoas idosas. Entretanto, na realidade, o envelhecimento é um processo que vem sendo registrado no inconsciente de cada um de nós desde o nascimento, processo feito de enriquecimento e perdas. Não esqueçamos que o inconsciente é atemporal. Dá para imaginar uma senhora diante de uma vitrine, com um vestido que remete à adolescência dela, entrando na loja, experimentando o vestido, e só então se dando conta de que seu corpo está diferente? Dentro dela, a velhice não existe. É difícil aceitar a velhice, na verdade ninguém gosta muito de envelhecer…
“O envelhecimento é um processo irreversível que se inscreve no tempo. Começa com o nascimento e progride
inexoravelmente até a morte”.
Jack Messy
Suely Tonarque é Pedagoga, Psicológa, Mestre em Gerontologia Social PUC SP. É autora do livro “Vestir com os Desafios do Envelhecimento”.